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APA de Guapimirim, Axel Grael, Carlos Minc, COMPERJ, CONLESTE, destruição de mangue, impacto ambiental, petróleo
Como um complexo petrolífero pode mudar a dinâmica existencial de toda uma região
Uma constatação, uma denúncia, uma súplica.
Por Moni “Sangue Verde” Abreu
O Comperj
Após um ano do seu anúncio oficial, o Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj) ainda divide opiniões e continua tendo um grande obstáculo a superar, a licença ambiental. Composto por 45 milhões de metros quadrados, incluídos aí, um milhão de m² de mata ciliar do Rio Macacu, 500 mil m² de mata ciliar do Rio Caceribu e cerca de 10 milhões de m² de áreas não edificantes. Suspeito é encontrar placas da Petrobras instaladas na área, pertencente à zona rural de Itaboraí, como se o projeto já estivesse aprovado.
O complexo de 8 bilhões de reais é o maior investimento da Petrobras de todos os tempos, que será bancado metade pela própria estatal e metade pelo BNDES e vai processar petróleo nacional proveniente da Bacia de Campos para reduzir a exportação de óleo para refino e a importação da nafta. O projeto prevê a instalação de uma refinaria com capacidade para 150 mil barris de óleo pesado por dia, (mais para petroquímicos do que para combustíveis) em Itaboraí, uma Central de Escoamento e Centro de Inteligência, (que vai capacitar pessoal e empresas para a área de construção e operação da refinaria), que será sediada em São Gonçalo e mais 200 indústrias de transformação. Elas deverão gerar cerca de US$ 2 bilhões de lucro por ano.
A escolha destes municípios, segundo José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, foi feita com bases na avaliação dos aspectos técnicos, econômicos, ambientais e sociais. Itaboraí apresentou como vantagem infra-estrutura logística, pela proximidade com o Porto de Itaguaí, além da sinergia com a refinaria de Duque de Caxias. A previsão é “inundar o mercado com petroquímicos” (leia-se plásticos!) e criar 262 mil empregos diretos e indiretos – 212 mil na construção e 50 mil na operação. O complexo deverá entrar em operação até 2012.
Para Minc, Secretário do meio ambiente, o licenciamento ambiental do Comperj vai ser um grande desafio – é o maior da América Latina! Axel Grael, presidente da Feema, mobilizou todos os funcionários do órgão para o processo de liberação da construção do Comperj pela sua complexidade e extensão: são mais de 50 licenças. Ele garante que só haverá autorização para a construção da obra quando todas as exigências forem cumpridas. A previsão da finalização dos estudos prévios é para o fim de 2007 e as obras de terraplanagem da área principal do projeto deveriam começar em janeiro de 2008, após a licença de instalação.
O Conleste
Antevendo situações críticas diante de um audacioso evento como este e para mobilizar recursos (!), em março de 2006 um consórcio para discutir os impactos sociais e econômicos do empreendimento foi criado: o Conleste, Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento do Leste Fluminense. O consórcio é composto por 11 municípios e Cosme Salles, prefeito de Itaboraí, foi eleito seu presidente em outubro de 2006. Os envolvidos direta ou indiretamente no projeto e pertencentes ao Conleste são: Itaboraí, São Gonçalo, Niterói, Maricá, Rio Bonito, Tanguá, Cachoeira de Macacu, Guapimirim, Magé, Silva Jardim e Casimiro de Abreu. São quase 3 milhões de habitantes, cerca de 25% da população do estado do Rio de Janeiro.
O ministro das Cidades, Marcio Fortes de Almeida, afirmou que o objetivo do Conleste é evitar o crescimento desordenado nesses municípios e encontrar alternativas para reduzir os efeitos negativos da implantação do Comperj, como a degradação do meio ambiente e as ocupações irregulares. Fortes de Almeida destacou que obras de infra-estrutura urbana serão antecipadas para promover o desenvolvimento da área. Na agenda do projeto, segundo informa a Petrobras, há um acordo junto ao poder público municipal para a construção de uma estrada que ligará o Comperj à BR-493 (Magé-Manilha), a fim de evitar o volume de tráfego em áreas povoadas.
Somente em dezembro de 2006, oito meses depois da criação do consórcio, ocorreu o 1° Fórum de Gestão Social do Conleste, na Universidade Salgado de Oliveira, em Niterói. O evento pretendia discutir os possíveis impactos sociais do Comperj na região Leste Fluminense e buscar as soluções cabíveis. Lá estavam diversas autoridades municipais e da sociedade civil, prefeitos e secretários dos 11 municípios que fazem parte do Conleste e o recém eleito governador Sérgio Cabral. Mas o evento foi extremamente superficial e político. Serviu apenas para mostrar que, apesar do único entrave do projeto ser o meio ambiente, justamente este tema ficaria fora das discussões das Câmaras Temáticas. Educação, segurança, saneamento, habitação, transporte, mobilidade entre outros temas foram discutidos, por grupos da sociedade civil com a intenção que os manifestos produzidos se revertam realmente em soluções e políticas públicas frente a um projeto impingido à população e cheio de impasses em diversas instâncias.
Todos os municípios querem ser beneficiados igualmente, mas as câmaras têm se mostrado ineficientes para o fim a que se destinam. A continuação dos trabalhos está arrastada e dispersa. Elas têm contado apenas com a participação da sociedade civil, nenhum representante oficial comparece ou tem conhecimento dos debates e não há divulgação nem dos encontros, nem dos seus resultados. O site para a divulgação do Conleste foi lançado em 10 de outubro de 2006 e não está em funcionamento. As únicas Câmaras que estão ‘trabalhando’ e divulgando os encontros individual e abertamente são as de Educação e Ciência e Tecnologia. Sabe-se o porquê! A intenção é até 2010 promover a capacitação de 10 mil profissionais para atuarem no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (em: http://www.itaborai.rj.gov.br/noticias/20070206_ofluminense_vestibular.php)
A falta de divulgação e participação é tanta, que em janeiro a revisão final do estatuto do Conleste só contou com a participação de 4 municípios.
Enquanto as câmaras batem cabeça, o BNDES se reúne com governador e com prefeitos para discutirem “investimentos sociais” (em 26/03/07) na busca de “estratégias de atuação conjuntas diante dos possíveis impactos sociais decorrentes da implantação do megaprojeto”.
E nós com isso?
Tudo. Vamos pensar juntos?
Se formos, já em primeira análise, considerar a localização estratégica do empreendimento, a APA de Guapimirim, e como ocorreu a “outorga de uso”, nenhuma autorização deveria ser permitida. Uma área de 45 milhões de m² na zona rural do município (incluindo matas ciliares e atlântica!) foi declarada de utilidade pública pelo Governo Federal para a construção do complexo e declarada como Zona Estritamente Industrial (ZEI), pela prefeitura de Itaboraí para que se desse início aos trâmites de licenciamento ambiental. Como isso foi possível? Quem ganha (ou ganhou!) com isso? Onde está a lisura deste ‘acordo’?
Oito dos onzes municípios pertencem à Bacia Contribuinte da Baía de Guanabara, portanto área de especial interesse em preservar dadas as condições de sobrevivência da Baía. Por estar compreendida na área intertropical, possuindo um clima quente e chuvoso, é responsável pela existência do último resquício de Mata Atlântica da região. Na Área de Proteção Ambiental de Guapimirim, situada nos municípios de Magé, Guapimirim, Itaboraí e São Gonçalo, estão localizados os últimos de manguezais da Baía de Guanabara. De todo manguezal que cobria o estado, 70 % foi devastado e como se sabe, o mangue é o berçário do mar: milhares de peixes lá se reproduzem e todo o material orgânico da vegetação ajuda a manter o equilíbrio da baía. O local era, à época da invasão colonialista, um verdadeiro Éden para os tupinambás! E estamos trocando o resto de paraíso que sobrou pela previsão de ter 0,5% do valor do empreendimento destinado para unidades de conservação, a título de compensação ambiental e 0,5% /1% do investimento destinado às chamadas ‘compensações sociais’.
A previsão de criação de corredor ecológico e de reflorestamento, com o apoio da EMBRAPA é pífia diante da diversidade já existente no local. Incluo aí um provável interesse no retorno econômico do ‘reflorestamento’!
Já existem cerca de 6.000 indústrias potencialmente poluidoras na bacia de contribuição da Baía de Guanabara. Destas apenas 52 são responsáveis por 80% da poluição industrial nela lançada. Outro dado importante é que apenas 51% do esgoto sanitário afluente à Baía de Guanabara é coletado em rede e apenas 14% é tratado adequadamente antes do lançamento. Se já não temos o controle das indústrias já situadas na bacia de contribuição da Baía de Guanabara e o conseqüente controle dos efluentes lançados neste corpo receptor, imagine após o multimilionário e ‘intocável’ projeto.
A maioria das cidades pertencente ao Conleste não tem saneamento básico adequado, o que lhes confere um quadro já bem ruim em termos de qualidade de vida de seus habitantes. E agora uma das maiores preocupações (se não a maior!) é que a implantação do projeto afete o fornecimento de água para as populações próximas. Embora seis alternativas de fornecimento de água para o Comperj estejam sendo estudadas, nenhuma delas pode se mostrar eficiente a longo prazo. Este estado de decrepitude generalizada pode ser agravado pela instalação do complexo, caso não pensemos antecipadamente e com seriedade nas soluções possíveis para este “impasse” e na forma como planejamos o futuro.
Não que a visão seja estritamente protecionista, mas de que valem os milhões do petróleo se não houver mais peixes no mar, águas potáveis e sobrar menos da metade da mata atlântica que já é reduzidíssima?
Os dirigentes já fecharam seus olhos à ocupação urbana que ameaça o manguezal há muito tempo. No início de abril, o RJTV denunciou o crescimento desordenado em São Gonçalo dentro da APA de Guapimirim. Apesar da lei de proteção ao mangue, além casas recém construídas com serviço de energia elétrica, existe até rua aberta! A área é de responsabilidade do estado e das prefeituras, e o Ibama diz que somente com a integração dos governos é possível evitar a expansão das comunidades.
Lembremos ainda que após as obras, serão 212 mil pessoas sem emprego!! O descaso político, a falta de políticas públicas e a lentidão das soluções, aliados a uma crescente demanda por moradia e emprego têm tornado nosso estado um caos social. Se já estamos nesta situação, e com a continuidade da mentalidade atual, imaginem como estaremos em 2012.
Outro perigo: a Petrobrás confessou (ainda que não tão publicamente!) que ainda busca parcerias estrangeiras para o projeto (em: Brasil Energia Nº311, outubro de 2006 – Retrospectiva Rio Oil&Gás).
O peso do lucro é tanto que muito provavelmente o projeto (em concomitância com TAC’s desavergonhados!) tenha sido o verdadeiro desencadeador da ‘necessidade de revisões’ ao Conama e das mudanças e desmantelamento nos órgãos de fiscalização e licenciamento ambiental (em: Painel 20 anos da resolução Conama 001/1986 e a indústria de E&P[Energia e Petróleo]).
Como podemos agir ativamente em defesa do que nos resta de dignidade? Saberemos separar o joio do trigo? O PIB é mais importante que nossa diversidade e possibilidade de futuro? Como podemos ser mais fortes que o poder do dinheiro? Existem possibilidades de mudanças de modelo energético, mas ninguém quer debater isso. O discurso de auto-suficiência que a Petrobras e o governo querem nos impor é uma falácia. O modelo atual baseado em petróleo está fadado a ter seu fim em 50 anos, então como justificar um investimento destes para um futuro nada promissor? O objetivo é o lucro imediato apenas e nesta estória, nós perdemos muito. Agora e futuramente.
Nós, os verdes, deveríamos pensar numa forma de intervir nesta situação. Ou levantar a bandeira branca em prol do nosso ambiente ou fomentar maior participação, abertura e divulgação dos debates. Se não pudermos evitar o desastre pelo menos poderíamos ter a chance de contornar a inércia e tornar o Conleste um verdadeiro canal entre a necessidade da sociedade e as políticas públicas, entre o lucro imoral e a manutenção ambiental!
Afinal que tipo de Éden estamos deixando os outros nos legarem?
Referências:
http://www.postoinfo.com.br/noticias.php?id=56
http://www.ofluminense.com.br/noticias/85579.asp?pStrLink=2,76,0,85579&indSeguro=0
http://www.eletrobras.com/IN_NUCA/mostrar_informe.asp?menu=1864-07%2F08%2F2006#
http://www.ntcelogistica.org.br/ntccidadania/cid_noticompleta.asp?CodNoti=15342
http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=338023
http://www.bndes.gov.br/noticias/2007/not060_07.asp
http://rjtv.globo.com/RJTV/0,19125,VRV0-3119-274134-20070402-633,00.html http://www.saogoncalo.rj.gov.br/meioambiente/caracteristicaambiental.php
http://www.tnpetroleo.com.br/internas/noticias.asp?id=7135&tipo=NL
http://www.abimaq.org.br/ceimaq/meta3/download/Comperj.pdf.
Fotos aéreas de Luciana Carneiro: www.baiadeguanabara.com.br/principal-i.htm